Bernardo Soares, em Livro do Desassossego

Rezo a ti o meu amor porque o meu amor é já uma oração; mas nem te concebo como amada, nem te ergo ante mim como santa.
Que os teus actos sejam a estátua da renúncia, os teus gestos o pedestal da indiferença, as tuas palavras os vitrais da negação.

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Nunca amamos ninguém. Amamos, tão-somente, a ideia que fazemos de alguém. É a um conceito nosso, em suma, é a nós mesmos que amamos.
Vivo sempre no presente. O futuro, não o conheço. O passado, já o não tenho.
A arte consiste em fazer os outros sentir o que nós sentimos.
A minha vida é como se me batessem com ela.
A solidão desola-me; a companhia oprime-me.
A vida é um novelo que alguém emaranhou.
A superioridade do sonhador consiste em que sonhar é muito mais prático que viver, e em que o sonhador extrai da vida um prazer muito mais vasto e muito mais variado do que o homem de acção. Em melhores e mais directas palavras, o sonhador é que é o homem de acção.
A minha alegria é tão dolorosa como a minha dor.
A natureza é a diferença entre a alma e Deus.
A liberdade é a possibilidade do isolamento.
A beleza de um corpo nu só o sentem as raças vestidas.

(lembro-me de quando pensava assim.)
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"Tudo o que dorme é criança de novo. Talvez porque no sono não se possa fazer mal, e se não dá conta da vida, o maior criminoso, o mais fechado egoísta é sagrado, por uma magia natural, enquanto dorme. Entre matar quem dorme e matar uma criança não conheço diferença que se sinta."

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