Estava tudo uma confusão. Os meus amigos, correrias, gritos, a casa desarrumada. Nada fazia sentido - e não era suposto fazer. E, depois, apareceste tu. O rapaz dos olhos de sol. Estúpido. Estupidamente, apareceste e assombraste-me, tal como te pedi há muitos anos. Ainda o fazes. Assombras-me sem eu perceber, mas querendo vigorosamente que o faças. Cumprimentaste-me e segui-te automaticamente. Levaste-me para um quarto e deitámo-nos numa cama. Simplesmente, conversámos durante muito, muito tempo. Tu cruzaste os braços debaixo da cabeça e olhavas o tecto, pensativo e alheio a mim, como sempre. Mas não importava, estavas lá. O mundo era belo e brilhante e cheio e completo. Perfeito. Eu estava enrolada em mim, com a cabeça apoiada no teu abdómen. Falámos, rimos, gozámos. O que costumávamos fazer no nosso Outubro que passou, mas nunca morreu, nunca me deixou ir. O Outubro continua e não há nada que eu possa quebrar, não há barreira nem chumbo que eu possa retirar para a porta fechar. A porta reabre sempre que quer, e eu deixo, pois sei que não posso mudar nada. Se eu pudesse, ter-te-ia mandado embora e teria continuado na confusão, no barulho dos meus pensamentos inconscientes, na usualidade da minha mente. Ficámos assim muito tempo. Não sei quanto ao certo, mas pareceu um hora ou duas, no mínimo. Íamos mudando de posição e de tema de conversa, mas o calor dos nossos corpos prevalecia, incondicionalmente. O teu coração vadiava na ideia de outra mulher, enquanto me aquecias como outrora. E eu sabia-o, mas não te larguei porque o meu corpo estava a receber a quantidade de droga necessária à vida. À vida que se tornara apenas em existência, desde que te foste. Tu, o rapaz dos olhos de sol. Os olhos de sol que nunca mudam. Brilham e brilham, e não sei como manténs todo o teu brilho com o desgastar dos anos e com todo o pó no sótão do buraco onde deveria estar o teu coração. O buraco que foi o meu lar um dia, o lugar que acarinhei e protegi, mas não o suficiente. De repente, apareceu uma rapariga. Não reclamei, não te lancei um olhar furtivo. Levantei-me e caminhei para a porta, calmamente, sem olhar para trás, pois sabia que iria doer demais. Mais do que conseguiria suportar. Fechei a porta. Fechei a parte sã, dentro daquela casa que transbordava barulho e inquietação. Voltei ao turbilhão de objectos, pessoas e frases que não percebia. (...)
Acordei e praguejei por ainda sentir o teu calor no meu corpo, e a tua pulsação a cantar na sepúltura que criei para ti dentro da minha mente. O teu coração cantava para mim e tu dançavas no teu túmulo. Eu olhava-te e desejava-te, secretamente. Sempre secretamente, enquanto for Outubro.

Sem comentários:

Enviar um comentário